segunda-feira, 31 de março de 2008

O SISMO DE 1998 I

As 5h e 19m (UTC) do dia 9 de Julho de 1998, um sismo com magnitude M=6,1 (1) atingiu a ilha do Faial. Toda a região nordeste sofreu intensa destruição, arrasando quase totalmente as povoações de Espalhafatos e Ribeirinha e, em menor grau. Pedro Miguel, Salão e Cedros. Flamengos e Lombega, apesar de localizadas fora daquela região, sofreram, ainda assim, avultados estragos. Registaram-se nove vítimas mortais (uma das quais por ataque cardíaco) e uma centena de feridos, na grande maioria de gravidade reduzida, em resultado do colapso das habitações.
Um abalo premonitório, sentido pela população do Faial, precedeu em 15 minutos o sismo principal. O foco localizou-se a cerca de 2 km de profundidade e cerca de 10 km a nordeste do Faial (38.634 N-28.523 W; Vales et al.,2001; Matias et al., 2007).
Um milhar e meio de habitações sofreu fortes danos, metade das quais sem recuperação. A destruição observada sugeria magnitude superior à determinada e fazia temer um número de vítimas elevado.
De facto, a intensidade da destruição no património construído e o baixo número de vítimas mortais são justificadas pelas características da construção tradicional, dominante nas freguesias atingidas. A maior parte das casas atingidas apresentava tipologia idêntica: um ou dois pisos (loja e piso de habitação), paredes exteriores de duas folhas, em pedra não talhada, seca ou com argamassa de barro, e divididas internamente por tabiques de madeira. A resistência sísmica reduzidíssima deste tipo de construção justifica a forte destruição registada. Quase todos os edifícios de construção recente saíram incólumes do evento, mesmo em zonas de destruição generalizada. Aqui e ali, casas recentes intactas destacavam-se de uma paisagem de ruínas totais ou parciais. O reduzido número de vítimas mortais, dado o grau de destruição e a hora do abalo, deveu-se ao facto dos habitantes não terem conseguido sair para a rua durante o sismo. Os tabiques de madeira, flexíveis, e os móveis altos (roupeiros e cabeceiras das camas) suportaram os telhados e impediram que as paredes exteriores ruíssem para dentro das casas. Estas circunstâncias permitiram a criação de vãos que protegeram os habitantes. Pelo contrário, as viaturas estacionadas à beira das casas ficaram frequentemente esmagadas pelo colapso das paredes para o exterior.
As igrejas, maioritariamente antigas, apresentavam características similares; sofreram, por isso danos equivalentes. A igreja do Salão foi completamente arrasada. As que não ruíram totalmente apresentavam-se praticamente irrecuperáveis ou de recuperação complexa. Ficaram neste estado as igrejas da Ribeirinha, Pedro Miguel, Flamengos e Angústias (esta menos afectada). Outras, de construção mais recente (década de 50 ou 60), como as dos Cedros e da Ribeira Funda, sofreram estragos menos intensos.
A edificação mais próxima do epicentro, o farol da Ribeirinha, ficou intensamente danificada Apesar de muito robusta, esta construção datada do período de 1935-40, não apresentava ainda estrutura anti-sísmica. As grossas paredes exteriores, com 50 cm de espessura e construídas em pedra aparelhada com argamassa de cal, tombaram para fora e a torre do farol sofreu fracturação a cerca de meia altura ao longo da qual sofreu uma rotação de 15 a 20 cm no sentido directo.
Pequenas construções recentes, como torres dos postos transformadores e abrigos das paragens de autocarros, em betão armado, não apresentavam em geral quaisquer estragos.
As pontes foram infra-estruturas que também sofreram danos avultados. Construídas no século XIX, apresentavam estrutura suportada por um arco de pedra e ligação às margens por aterro suportado por paredes de pedra solta. Apesar dos arcos terem suportado a vibração sísmica, os muros de suporte desmoronaram provocando o colapso do piso. A localidade de Espalhafatos ficou quase isolada devido à queda parcial das duas pontes da estrada regional localizadas nos limites oriental e ocidental da povoação.
Escorregamentos, queda de muros de suporte, assentamento de aterros, queda de blocos das barreiras nos troços em desaterro e colapso de casas afectaram a circulação na maioria das estradas da região. Contudo, apenas os escorregamentos causaram prejuízos significativos.
As alterações físicas do terreno por efeito do sismo resultaram de fracturação tectónica e escorregamentos. Fendas no solo, apresentando comprimentos variáveis que podiam atingir urna dezena de metros, foram o principal resultado da deformação tectónica superficial ao longo das falhas da região nordeste da ilha. A análise geométrica das fendas revelou o predomínio das direcções tectónicas conhecidas correspondentes às duas famílias de falhas principais (WNW-ESE e NNW-SSE). Observaram-se fracturas com abertura (extensão), com separação em direcção (desligamento direito ou esquerdo), em inclinação (predominantemente do tipo normal), ou um misto destas componentes (separações oblíquas) (Madeira et al.,1998a, b). A cinemática deduzida da geometria das fendas mostrou-se compatível com a movimentação nas famílias de falhas com orientação equivalente: normal direita nas fracturas orientadas a WNW-ESE e normal esquerda nas fracturas com direcção NNW-SSE. Onde a direcção das fracturas restringia o deslizamento formaram-se sectores elevados em compressão (push-ups), onde as curvaturas das fracturas eram favoráveis registaram-se pequenas depressões tectónicas do tipo pull-appart.Observaram-se estes aspectos de deformação nos blocos elevados da falhas da Ribeirinha (em particular no asfalto da estrada do farol), Chã da Cruz e Lomba Grande. Um pasto junto à escarpa da Chã da Cruz apresentava fendas com critérios indubitáveis de desligamento direito e escarpas centimétricas com abatimento para sul. Situação similar foi encontrada no Cabouco Velho: onde a estrada cruza a falha da Lomba Grande, o asfalto apresentava um ressalto de dez a vinte centímetros precisamente sobre o traço da falha. A ocorrência de ambas as direcções tectónicas na fracturação do solo produzida pelo sismo não permitiu concluir sobre qual dos sistemas tectónico gerou o evento principal. O abalo desencadeou deslizamentos em arribas litorais, nas paredes internas da caldeira, em escarpas de falha e na vertente noroeste do Vulcão da Caldeira, sobranceira à Ribeira Funda. Nas arribas entre a Ponta do Salão e a foz da Ribeira Seca (Pedro Miguel) ocorreram movimentos de massa generalizados, do tipo queda de solo e de fragmentos rochosos, que causaram a remoção de toda a sua cobertura vegetal. No entanto, os volumes mobilizados foram reduzidos conforme foi possível verificar pela dimensão das acumulações na base das arribas. Para sul da foz da ribeira Seca até à Ponta da Espalamaca, na costa leste, e da Ponta do Salão até à praia da Fajã, na costa norte, a queda de material das arribas foi descontínua envolvendo volumes mais reduzidos. No interior da Caldeira deram-se desprendimentos do mesmo tipo nas paredes norte e oeste e em torno do doma traquítico do Altar.
Nas escarpas de falha houve queda de fragmentos rochosos e deslizamentos em prancha e em concha. Exemplos de deslizamentos em concha ocorreram nas escarpas das falhas da Ribeirinha, da Chã da Cruz e da Lomba Grande. Na escarpa da Ribeirinha, os escorregamentos cortaram ambos os acessos da povoação para o farol, que passou a ser possível apenas a partir de Espalhafatos. A vertente da Lomba Grande apresentava um grande deslizamento em prancha, com cerca de 50 m de largura; os materiais mobilizados fluíram pelos pastos da base da escarpa avançando 50 a 60 m.
Na vertente noroeste do vulcão central ocorreram numerosos pequenos escorregamentos e um de volume bastante significativo. Tratou-se de uma avalancha de detritos (debris avalanche) que se desenvolveu a partir de uma zona de cabeceira com 200 m de largura junto ao bordo da Caldeira. Os produtos mobilizados, cinzas e pedra-pomes de uma erupção datada de há 1200 anos (Madeira et al., 1995), deslocaram-se pelo vale da ribeira do Risco em direcção à povoação da Ribeira Funda. Devido a uma primavera particularmente seca os materiais envolvidos continham muito pouca água. Se se encontrasse saturada, como é costume, a mobilidade da massa escorregada teria sido bastante superior. As matas de Criptomeria existentes no vale da ribeira também contribuíram para lhe reduzir a mobilidade e acabaram por constituir uma barreira que parou o movimento a cerca 1400 metros de distância da zona de cabeceira e 320 metros mais abaixo, ao longo de um declive médio de 15°. Sem a conjugação destas duas circunstâncias o fluxo de detritos teria certamente atingido a povoação da Ribeira Funda. A área afectada pelo escorregamento foi de cerca de 18 ha (177.000 m2) e o material envolvido apresentou um volume de 600.000 m3 (Madeira et al., 1998a, b). A análise de fotografia aérea revelou, na mesma região, evidências da ocorrência, no passado, de eventos do mesmo tipo abrangendo volumes e áreas superiores aos que se estimaram nos eventos de 1998.
Notas
(1) Magnitude de momento (MW)=6.1; magnitude local ou magnitude de Richter (ML) e magnitude de ondas de corpo (mb) = 5.8. (in BOLETIM DO NCH Nº 16, 2007)

2 comentários:

Carlos Faria disse...

Para quem diz que não gosta de geologia cá está um artigo de geologia publicado no NCH que eu tenho, contudo faço os seguintes reparos:
1. o Farol da Ribeirinha é mais antigo (1919), tal como refere no seu post de 13 de Março último.
2. Na ribeirinha, mesmo as habitações recentes sofreram danos, embora ligeiros, não saindo incólumes.
3. Ribeira seca é o ribeiro seco, na fronteira Ribeirinha/pedro miguel.
4. à avalanche de detritos ou debris avalanche esteve associado uma escoada detrítica ou lahar e por isso a povoação da ribeira funda foi parcialmente atingida.
5. embora tenha citado a fonte, deveria ser feita referência ao autor do artigo.
Os pontos 1 a 4 não é falha sua, resulta do autor.

Unknown disse...

ao Geocrusoe, muito bem nao sou um aficionado da geologia, mas fiz um post do artigo em questão para poder enquadrar o que hade vir...
Assim e quanto às falhas que enumerou,
1.A quando da Leitura do artigo não associei as datas presumindo que o artigo estaria correcto.
2.As habitaçoes construidas de raiz com as especificaçoes antisismicas e dado o grau de destruiçao das restantes quase que se pode dizer que sairam incólumes, mas sim, tiveram ligeiros danos.
3.Eu conheço o Ribeiro em causa mas presumi que se pudesse chamar ribeira.
4.Como não tenho conhecimento na materia nao comento, assim quanto a estas falhas como disse e muito bem são do autor, que nao foi mencionado como nao foram os dos posts anteriores nem tem sido politica do blog, apenas a "fonte"
Contudo agradeço a critica e reconheço as falhas, a evitar de futuro.